Acidente do Trabalho/Doença Ocupacional: Direitos e Deveres

Um dos assuntos que considero mais importantes dentro das relações de trabalho é aquele relacionado à saúde e à segurança dos trabalhadores, já que trata da própria vida dessas pessoas. Infelizmente, apesar dos números assustadores de acidente do trabalho (uma notificação a cada 49 segundos e uma morte a cada 3h43m – Fonte: https://smartlabbr.org/sst), a questão não é tratada com a devida seriedade, seja por falta de conhecimento, seja pela tentativa irresponsável de reduzir custos.

Nesse contexto, a ideia deste breve artigo é esclarecer algumas das tantas dúvidas envolvendo o acidente do trabalho.

 

Em primeiro lugar, o que é Acidente do Trabalho?

 

Os artigo 1920 e 21 da lei 8.213/91 definem oficialmente o que é e o que não é acidente do trabalho. Em resumo, podemos dizer que o acidente do trabalho se divide em três tipos:

– Acidente Típico: Aquele que ocorre pelo exercício normal das atividades profissionais, seja dentro ou fora da empresa.

– Acidente de Trajeto: Dá-se no percurso normal entre a residência e o trabalho, ou vice-versa. Este tipo havia sido excluído pela MP905 de 2019, mas ela perdeu validade e o acidente de trajeto voltou a ser considerado.

– Doença Ocupacional (Profissional ou do Trabalho) – São aquelas adquiridas em decorrência das condições de trabalho ou pelo exercício de determinada profissão.

Em caso de acidente, o que a empresa deverá fazer?

Em primeiro lugar a empresa deverá prestar o devido atendimento ao empregado, encaminhando-o para atendimento médico se o acidente ocorrer dentro da empresa.

O próximo passo será abrir a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) até o primeiro dia útil após a ocorrência do acidente, independentemente de haver afastamento médico. Em caso de morte, a CAT tem que ser aberta imediatamente.

Havendo afastamento superior a 15 dias, deverá encaminhar o empregado à Previdência Social para que requeira o auxílio-doença acidentário. Como consequência, ao retornar ao trabalho contará com estabilidade por pelo menos um ano.

Vale destacar que muitas empresas preparam toda a documentação para que o empregado vá ao INSS somente no dia da perícia, mas caso isso não aconteça o próprio trabalhador poderá fazê-lo pessoalmente no INSS, pela internet (Meu INSS) ou entrar em contato pelo telefone 135.

Lembrando que todos são responsáveis por evitar acidentes, devendo ter condutas seguras, mas as empresas têm que garantir a saúde e a segurança dos seus trabalhadores, podendo/devendo instituir normas, procedimentos, fornecer EPI’s e fiscalizar a sua correta utilização, entre outros.

 

E se a empresa se recursar a emitir CAT?

 

Apesar de ser uma obrigação legal, há empresas que não abrem a CAT. Nesse caso, recomendo que o trabalhador insista, pois é um direito dele. Se não tiver jeito, entre em contato com o sindicato, já que esse órgão ele também poderá fazer a abertura.

Na realidade, até o próprio empregado pode realizar esse procedimento, mas o ideal é que a empresa o faça, ou ao menos o sindicato da categoria.

 

Quais os direitos do empregado?

 

Conforme explicado, a abertura da CAT é um direito do trabalhador, independentemente do tempo de afastamento.

Caso o afastamento supere 15 dias, haverá estabilidade por ao menos um ano após retorno ao trabalho.

Além disso, se o acidente do trabalho ocorrer por culpa do empregador e deixar alguma sequela (permanente ou temporária) o empregado poderá ter direito a uma indenização a ser paga pela empresa. Alguns exemplos:

1 – A empresa determina que o empregado realize alguma tarefa para a qual não estava habilitado, o que ocasiona um acidente e ele perde um dedo.

2 – A falta de fornecimento adequado de EPI’s deixa o empregado exposto a determinado produto químico que causa uma doença do trabalho, com redução da sua capacidade laboral de forma definitiva.

3 – O empregado carrega peso excessivo, ocasionando uma limitação aos movimentos de um dos braços.

Importante destacar que, de acordo com a nossa Constituição Federal de 1988, para que haja o dever de indenizar o empregador precisa agir com dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva), não bastando a simples ocorrência do acidente. Vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Por outro lado, há situações em que a própria atividade da empresa representa um risco acima do normal, de forma que a simples relação entre o acidente do trabalho e as lesões causadas ao empregado são suficientes para fazer nascer o dever de indenizar (responsabilidade objetiva). Nesse caso, a demonstração de culpa da empresa é irrelevante, pois o empregador deveria ter tomado medidas adicionais para evitar a ocorrência do acidente, já que estava ciente dos riscos elevados.

Nesse sentido, o artigo 186 combinado com o parágrafo único do artigo 927, ambos do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifei)

Destaco que referida indenização trabalhista não exclui nem compensa o valor recebido da Previdência Social a título de auxílio doença acidentário, auxílio acidente ou outros. Ou seja, o empregado poderá receber os dois, dependendo do caso.

 

Coronavírus (Covid-19) pode ser considerado acidente do trabalho?

 

Isso irá depender de uma análise de cada caso. Já se tentou afastar essa possibilidade por meio de uma Medida Provisória 927, mas a estratégia não deu certo e causou o efeito contrário, pois ao se manifestar sobre o assunto o STF suspendeu a eficácia do artigo em questão. Com isso, a meu ver, muitos estão fazendo uma enorme confusão, pois passou-se a dizer que a Covid-19 será considerada automaticamente doença ocupacional, o que não me parece a interpretação correta.

Entendo que a análise devera seguir a regra geral que expus neste texto, ou seja, se ficar comprovado que a doença foi adquirida em decorrência do trabalho, deverá ser considerada doença do trabalho (por exemplo, o empregado ficou exposto a uma situação de risco ou não recebeu os EPI’s adequados e, por isso, houve contaminação etc.).

Por outro lado, se uma enfermeira que tem contato com doentes da Covid-19 contrair a doença, parece-me que a responsabilidade do hospital será objetiva, pois há um nexo de causalidade entre as atividades e a doença, além de um risco acentuado próprio da profissão.

 

Conclusão

 

Todo acidente do trabalho obriga o empregador a abrir uma Comunicação de Acidente do Trabalho, podendo o trabalhador vir a receber prestações de auxílio doença acidentário caso fique afastado por mais de 15 dias.

Em que pese o dever da empresa de garantir a saúde e a segurança dos seus empregados, nem todo acidente do trabalho irá gerar direito a uma indenização, devendo ser feita uma análise caso a caso para identificar a existência de sequelas ou danos, além do nexo de causalidade entre esse acidente e uma conduta ao menos culposa da empresa, a menos que se trate de responsabilidade objetiva em que a culpa não será um requisito.

De todo modo, todos (empregados e empregadores) devem agir de forma segura para evitar acidentes.